Desde o início da Pandemia, as discussões se intensificaram, mas já eram frequentes em muitas rodas que eu frequentava. Aqui em casa, na verdade, meu marido tem várias restrições ao ensino online. E sempre disse para ele, “Você escolheu o curso errado. Não é que não funcione, mas é a forma como está sendo feita que não faz sentido para o mundo em que vivemos.”
E antes de entrarmos no mérito do ensino online, vamos primeiro entender que tudo o que está sendo dito e feito pelas instituições educacionais não é ensino online, é ensino remoto emergencial. E essa distinção é essencial. O que vimos nos últimos meses foi um modo reativo a uma situação totalmente incontrolável e emergencial em que cada um buscou se apoiar no repertório e nos recursos humanos que tinham. Não teve planejamento e inicialmente nem mesmo intencionalidade. Era usar do feeling para dar uma resposta imediata às famílias, aos alunos e aos professores. E era o que dava para ser feito, cada um do seu jeito, pensando em seu contexto e respondendo às pressões sócio-econômicas, ao mesmo tempo. Situação única e delicada. E nada fácil de equacionar.
Algumas poucas escolas que já estavam à frente no uso de tecnologias educacionais, conseguiram se organizar mais rapidamente, outras viram-se em meio a incongruências na comunicação, na forma de darem uma resposta ao processo, perdidas mesmo. E, de certa forma compreensível, já que não tinham conhecimento, não tinham se preparado para algo totalmente desconhecido, e não tinham a agilidade necessária com as ferramentas adequadas para decisões que precisavam de agilidade e colaboração das equipes em meios digitais, algo ainda novo para muitos. Mas, de novo, repito, tudo o que foi feito neste contexto foi reativo e emergencial.
E, neste momento em que o mundo pára, e percebe que precisa das tecnologias mais do que nunca e de forma irreversível, há sim que se olhar para frente com uma visão mais ampla e aprofundada sobre as implicações das tecnologias educacionais e do ensino online nas instituições educacionais. Mas o que tem de diferente o ensino online do que vemos atualmente? Diria que é um outro universo.
Ensino Online é planejado.
Tem toda uma preparação em termos de desenho instrucional que não é trivial, inclusive com equipe multidisciplinar de designers instrucionais, designers, equipe técnica. Enfim, tem desenho, intencionalidade pedagógica e planejamento para que se tenha os resultados acadêmicos esperados.
Ensino Online não é uma transposição do ensino presencial.
Muito do descrédito do online, incluindo a visão crítica do meu marido, vem de uma prática muito arraigada nas instituições de ensino superior que lá atrás, quando o ensino a distância começou a se popularizar, acreditavam que era apenas pegar o conteúdo das aulas presenciais, gravar as palestras dos professores e colocar os PDFs e textos que já eram explorados nas aulas. Ah, e incluir um fórum de discussão. Pronto.
Ensino online de qualidade se faz com um olhar para as oportunidades do digital, potencializando as interações humanas para um aprendizado conectado, colaborativo, por pares em que o papel do professor como mediador é o de dar caminhos, direcionar, e, sobretudo aprofundar as experiências de aprendizagem. É pensar na multimodalidade e na diferenciação. Oportunidade única para que os alunos tenham uma mapa, mas com trajetórias baseadas nos seus interesses, aliados ao desenvolvimento de competências comuns necessárias para que sejam cidadão críticos e futuros profissionais preparados para o mercado de trabalho.
PDF e fórums de discussão não trazem em sua essência o que significa desenvolver um programa online. Usá-los e chamá-los de ensino online é subestimar a capacidade cognitiva de nossos alunos e aliená-los da vontade que temos de aprender. Ensino online traz muito mais estratégias, práticas pedagógicas multimodais e um foco na produção do aluno.
Ensino Online não é Aula no Google Meet, Zoom ou Microsoft Teams.
As ferramentas digitais que temos hoje são simplesmente maravilhosas e parte do nosso dia a dia. Hoje é tão mais fácil nos conectarmos online de quando me lembro lá atrás ainda nos anos 90 quando comecei a dar os meus primeiros passos em práticas pedagógicas com o digital. Antes, tudo era texto, era trabalhoso, se quisesse dar uma variada tinha que saber um pouco de html. Áudio e vídeo era para os entendidos. Hoje, tá tudo mais simples e pervasivo.
Aulas síncronas com todas as plataformas disponíveis são fáceis de estruturar em termos técnicos. No entanto, não podemos confundir essas aulas com ensino online. São apenas uma das estratégias. E, de novo, para que façam sentido no todo, devem fazer parte de um programa online estruturado, planejado em termos de desenho instrucional, com objetivos pedagógicos bem definidos. E, em muitos casos, essas aulas em plataformas de webconferência passaram a ser uma mera reprodução de aulas expositivas, palestra mesmo, de 50 minutos. Não, isso não é ensino online. Definitivamente. Vejo meio filho no ensino médio sendo massacrado com um modelo que já não funcionava no presencial, e só mostrou sua fragilidade no online. Novamente, não é transpor uma aula tradicional de 50 minutos em 50 minutos com o slides e o professor falando em uma plataforma de webconferência. Não funcionava no presencial, não funciona no online.
Ensino Online tem equipe capacitada.
Se havia ainda tantos desafios na integração de tecnologias educacionais nas salas de aula, agora então, os desafios de uma capacitação adequada e consistente para os meios híbridos e digitais são ainda maiores. Não é formação de alguns encontros com os professores, é formação continuada, é trabalho por pares, é colaboração entre a equipe acadêmica mediada por especialistas em ensino online. Equipe capacitada é equipe confiante e saudável.
O que tenho visto, na prática, são professores ansiosos, com medo, exauridos. E não era para ser assim. Na verdade, em meio a tanta dor e incertezas no meio de uma pandemia nunca vista antes pela nossa geração, o momento é de uma oportunidade de olharmos para as nossas práticas, repensarmos, redesenharmos de forma que faça sentido para o online. Os professores precisam experimentar, se sentirem apoiados, tornarem-se alunos online. E, para que evoluam em suas práticas, precisam de apoio da liderança educacional e do desenvolvimento do repertório digital para serem os profissionais de excelência que já são no presencial.
Sei que nos falta tempo, que o momento é de reação a uma crise, mas é também momento de se olhar para frente, de ter sensibilidade com as equipes, de perguntar “o que podemos fazer para encararmos este momento juntos”. Talvez uma pergunta como essa e a abertura das lideranças educacionais para ouvir possa mudar o rumo do que será o ensino daqui para frente.
Ensino online como conector e provedor de esperança.
Os desafios são realmente assoberbantes, mas tendo vivenciado como aluna experiências de aprendizagem online incríveis, eu continuo acreditando que sim o ensino online funciona.
O ensino online funciona quando o entendemos em seu potencial de conexão de pessoas, ideias e conhecimento.
O ensino online funciona quando pensamos com uma mentalidade digital, e não querendo transpor o analógico para o online.
O ensino online funciona quando investimos tempo e recursos para criarmos experiências significativas e aprofundadas de aprendizagem para os nossos alunos, e não como uma alternativa mais barata e paliativa para o presencial.
O ensino online funciona quando hibridizamos na forma, no conteúdo, e buscamos novos meios para engajar o aluno e trazer novamente a vontade e o nosso interesse inato para aprender.
O meu desejo é que a gente desenhe o futuro da aprendizagem. Nós não queremos ser peças de reposição de um grande computador humano.
Sugata Mitra
Acredito no ensino online e vou continuar batalhando para desmistificar o que é e o que não é ensino online de qualidade que traz mais acesso, equidade e democratização do ensino. E te convido a discutir, questionar e trazer novas visões do que é o ensino online, porque o que tenho a certeza é que o que está sendo feito até agora não é ensino online.
Muito bem colocado. Também acredito no ensino online quando bem planejado, estruturado e conduzido. Penso que o mais difícil é fazer tanto os professores e os alunos entenderem que quando online, nós saímos da caixinha da sala de aula tradicional para uma prática completamente diferente. Para experimentar essa prática com proveito é preciso não esperar a mesma rotina da sala de aula tradicional. Não se trata de preparamos uma aula para passar conteúdo tanto em sala física ou virtual, online o conteúdo é organizado e formatado para guiar o aluno no caminho do saber. O conhecimento hoje está todo disponível para qualquer um, precisamos ensinar os alunos buscar com eficiência.
Márcia, estamos em sintonia. O digital traz oportunidades de aprendizagem incríveis se começarmos com a cabeça no digital e desenvolvermos como educadores novos letramentos e também conduzir os alunos nesse sentido. É a construção de novos hábitos para uma nova cultura.
Olá, Carla.
Pensando nos alunos, tenho muito interesse e curiosidade em “Learning to learn online” para poder ensinar a estudar online. Em identificar estratégias usadas por aprendizes para estudar e navegar nos cursos e aulas que resultem em aprendizagem eficiente.
E pensando em professores meu interesse é em como despertar e mostrar a necessidade de adaptar e a diferença que existe entre as duas modalidades para quem continua na caixinha da sala presencial, mesmo dentro de um contexto a distância 100% online.
Essa oportunidade, tenho certeza, vai abrir algumas portas!